segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O amor que nos torna humanos

Foto: freeimages.com
Li recentemente “Memórias de Minhas Putas Tristes”, livro simples, agradável e genial. No livro, a personagem principal, um velho escritor solitário, se entrega pela primeira vez aos mistérios e delicias de amar alguém aos 90 anos, quando “não se tem mais nada a perder”, quando o risco aparentemente é menor.

Amar realmente é um grande risco que corremos. Podemos jurar amor eterno hoje, acreditar que é pra sempre e amanhã tudo pode acabar: a pessoa pode deixar de te amar, pode deixar este mundo...

Não há garantia alguma e isso por vezes nos apavora. Algumas vezes, em resposta, criamos armaduras e não nos deixamos envolver. Outras, mesmo nos envolvendo, alimentamos a ilusão que podemos controlar este risco e passamos então a querer controlar o outro. É como se, de alguma forma, ao controlarmos as ações do outro conseguiremos controlar seus sentimentos e vontades. Quanta utopia...

Sempre fiquei impressionada como todas as pessoas são vulneráveis quando o assunto é amor. Até mesmo algumas que considero mais maduras e serenas se comportam de forma surpreendente quando o assunto é o relacionamento amoroso. Enfatizo aqui o amor romântico entre um casal, porque talvez seja onde estes medos e inseguranças se manifestem de forma mais intensa, contudo, acredito que nosso comportamento pode ser bem semelhante quando se trata de outros relacionamentos, como as amizades, relações entre pais e filhos, etc.

Muitas vezes, a necessidade de se ter controle e segurança nos faz agir de maneira impulsiva e incoerente. O fato de querer garantir que o outro nos ame sempre e para sempre nos faz perder a magia e a leveza que o amor pode nos oferecer.

Quando que me pego tentando controlar o outro, tento decodificar este sentimento para poder transformá-lo. Em primeiro lugar, é necessário se colocar em posição de igualdade em relação ao outro. Se sentir digno do amor que recebemos é essencial para retribuirmos com a mesma pureza e genuinidade. A culpa, se sentir pior que o outro, não merecedor deste amor, não irá nos fazer pessoas melhores e nem nos fará agir de modo melhor. Pelo contrário, só causará mais conflitos e nos levará a mais ações que boicotem nosso bem estar e felicidade, gerando consequências diretas na outra pessoa. Também é importante notar se não estamos nos sentido superiores de alguma forma, pois se assim o fizermos, iremos manifestar isso em nosso comportamento e mais uma vez será impossível atingir um estado de ternura e afeto mútuo.  

Além disso, não devemos entender como sinal de rejeição qualquer atitude do outro que é diferente daquilo que esperávamos.  – afinal, como pensamos que podemos controlar tudo, temos predefinida a listinha de “reações esperadas”. O outro, assim como nós, é um ser humano complexo e que possui questões e angustias próprias. Devemos exigir respeito sempre, não devemos nos rebaixar ou nos deixar ser agredidos. Porém existe uma distância enorme entre uma agressão e um comportamento que não é exatamente o que esperávamos.

Por último, e quem sabe a parte mais importante deste exercício pessoal, é preciso encarar os fatos. Realmente não há garantias. Tudo pode dar errado. E ai? Não vale a pena amar e ser amado? Claro que vale. Vivemos envolvidos na “cultura da vitória”. Algo só compensa quando um padrão estabelecido de sucesso é alcançado. Se lutarmos e falharmos é nos dado um titulo oficial de perdedor, de coitado. Em outro livro que li há poucos dias, a autora diz que deveríamos fazer a seguinte pergunta antes de tomarmos um risco: “o que eu faria que ainda que eu falhe terá valido a pena?”.  Entretanto, geralmente nos perguntamos: “o que eu faria se soubesse que não iria falhar?”... Perguntas semelhantes, no entanto com respostas que nos levam a atuações bem diferentes. Como falei no último texto (leia aqui), é preciso ter coragem para viver sob incertezas. O processo de nos entregar e conseguir amar com plenitude requer perceber que ser feliz não é uma questão de controle. Passa-se muito mais por aceitar a falta dele.

Provavelmente, nunca aprenderemos a lição de forma completa e definitiva. O amor será sempre um constante recomeço repleto de descobertas, e, acima de tudo, será sempre um risco a ser corrido... Mas fico me perguntando se existe algo neste mundo que nos torna mais humanos que sonhar e se deliciar com essa face desconhecida do amor?

domingo, 21 de setembro de 2014

A coragem de ficar

Foto: reprodução Web
Há uns quatro meses, eu e o meu marido fomos passar uns dias na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte. Um lugar deslumbrante, com paisagens de tirar o fôlego, desses destinos que despertam no fundo da alma aquela vontadezinha de largar tudo e ir morar lá. Conversando com a recepcionista do hotel em que estávamos hospedados, descobrimos que ela e o marido eram advogados e haviam feito exatamente isso. Deixaram para trás a vida estressante que tinham em São Paulo (ela trabalhava em um escritório e ele estudava para prestar concurso público) e foram residir neste paraíso.

Quando ouvimos este tipo de história, inevitavelmente, é despertado em nós um sentimento de admiração combinado com uma pontinha de inveja de quem tomou tal atitude. Mais tarde, no mesmo dia, ainda com esse sentimento pairando no ar, o Bernardo fez o seguinte comentário: “é muita coragem largar tudo e vir viver aqui”. Apesar de não discordar da afirmação dele, comecei a refletir sobre o oposto: é também muita coragem ficar.

Não faço aqui nenhuma crítica a quem ouve a voz de um sonho e muda totalmente sua realidade, significando isso mudar de cidade, profissão ou abandonar qualquer condição pré-estabelecida e que aparentemente é imutável. Entretanto, é preciso também muita coragem para enfrentar os problemas do dia a dia a cada manhã, arregaçar as mangas, levantar a cabeça e seguir em frente.

É preciso mais coragem ainda para se encarar, para identificar, ouvir e compreender seus medos mais escondidos, suas vergonhas mais assustadoras e, sem ficar entorpecido por tais sentimentos, permanecer no combate... Continuar mesmo sabendo que somos imperfeitos, que nunca atingiremos a perfeição e nos amar por sermos desse jeito.

Mudar de cidade, de país, de faculdade, de emprego, de namorado, de grupo de amigos pode contribuir muito para sermos mais leves, mais livres e por que não mais felizes. Não há dúvidas que o ambiente a nossa volta nos afeta e influencia diretamente nosso grau de felicidade. Além disso, mudanças dessa natureza, inquestionavelmente, podem ser os gatilhos que tanto precisamos para iniciar um caminho de descoberta de nós mesmos.

Quando olho para trás, vejo que ter ido morar fora do país, mudar da minha cidade natal após a faculdade, mudar por duas vezes o rumo da minha carreira foi de extrema importância para meu amadurecimento e para que eu compreendesse melhor meus desejos e anseios. Foram tais mudanças que me deram fôlego para continuar a caminhada, que abriram meus olhos para novas possibilidades e renovaram minhas forças e esperanças.

Contudo, de nada adianta mudar aquilo que nos incomoda no exterior sem remexer verdadeiramente nos nossos entulhos e caminhos internos. É preciso compreender e, principalmente, se apropriar dos nossos desejos, dos nossos medos e dúvidas.

Por um tempo, pode até parecer que a situação foi resolvida com a mudança ambiental e aquilo que nos incomodava pode ser abafado momentaneamente... Todavia quando menos esperarmos, quando algo começar a nos atormentar – pois seja em Pipa, em Nova Iorque ou na Austrália, seja no emprego dos nossos sonhos, seja com o amor da nossa vida haverá problemas e desconfortos – esses temas voltam a nos causar chateação. Algumas vezes voltam de forma menos sútil que anteriormente, nos forçando a parar e a entender que o problema inicial talvez nem fosse aquele chefe chato ou a cidade onde morávamos. Pode ser que “a nossa pedrinha no sapato” tivesse muito mais a ver com nossas arquiteturas internas e nossa maneira de lidar com as situações do que poderíamos imaginar.


Que possamos sempre ter a coragem de seguir em frente e principalmente a coragem de ser feliz, seja morando em São Paulo, em Pipa ou no Japão. 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Acima do bem e do mal - Por que julgamos tanto?

Foto: reprodução web
No bar, num papo despretensioso com as amigas, vem à tona a noticia acerca de uma blogueira que se separou do marido e começou a ser condenada cruelmente por alguns e defendida veementemente por outros que a seguem.

A discussão voltou-se então para como alguém se sente no direito de julgar uma relação que não deu certo (e uma suposta traição)? A começar que ninguém sabe realmente o que aconteceu, e mesmo que soubessem, fossem pessoas próximas ao casal (o que claramente não era o caso nos comentários de quem se sentia no direito e na necessidade de expressar sua opinião), só os dois sabem o que se passava entre quatro paredes e, mais ainda, cabe apenas a cada um deles compreender o que carregam dentro de si, nos pensamentos e no coração.

Eu sempre fico abismada com a facilidade e autoridade que temos em julgar os outros. É curioso como julgamos tudo o tempo todo. Julgamos a aparência, as escolhas profissionais, os amores, a religião... Dotados de uma verdade suprema, nos colocamos acima do bem e do mal e imprimimos nossa sentença. Temos a convicção que possuímos as informações necessárias e suficientes para condenar algo ou alguém não importando se fazemos isso com a nossa régua, com o nosso ponto de vista, com o nosso coração.

Um dia desses li uma postagem no facebook em que a pessoa julgava a fé de outras pessoas (não se tratava dos aspectos práticos da religião, era a fé mesmo, a proximidade das pessoas com Deus). Passei então a imaginar o medidor de fé. Provavelmente era um quadro em que mostra os pontos que você acumulou por sua fé, tudo isso controlado por São Pedro e revisado semanalmente por Deus. Tal publicação ainda vinha acompanhada de um: “não estou falando que sou perfeito, mas quando erro, reconheço”. Isso é óbvio, não? Uma vez que eu mesmo que faço as regras, eu sei exatamente quando errei. Erros e acertos comportamentais se tornam verdades absolutas, sendo uma tarefa fácil decidir quem é culpado e quem é inocente. Entretanto, quando EU sou o réu, aí a história é outra, me apego a algumas jurisprudências e dou uma ajustadinha nas regras, afinal o meu caso era diferente, existem os motivos “a “ e “b”, que ninguém conhece, mas eu sei bem quais são ...

Talvez o prazer em julgar seja o de por alguns instantes nos sentirmos Deus, nos sentirmos superior ao outro, e em um mundo onde se procura o tempo todo ser melhor para postar algo no Instagram e causar inveja (seja por qual motivo for), esses momentos de superioridade são de extremo valor. Talvez ainda, num tempo que carregamos dentro de nós a exigência de sermos perfeitos, seja essa uma forma de nos aliviarmos de tanta culpa e pressão. Quando apontamos o dedo para alguém, esse alguém também não é perfeito, e pelo menos em alguns momentos ou características podemos nos orgulhar de sermos melhores que ele...

E tem a cereja do bolo, depois de sentir esse gostinho de estar um andar acima de algo ou alguém, é possível POSTAR uma frase de efeito dessas que inundam nossa visão todos os dias. É só lançar mão de algo do tipo “posso não ser perfeito, mas pelo menos não sou hipócrita” e correr para o abraço.

A famosa empatia (segundo o Aurélio, Empatia - s.f. Psicologia e Filosofia Faculdade de perceber de que modo uma pessoa pensa ou sente), não é algo difícil, é simplesmente IMPOSSÍVEL. Mesmo que nos esforcemos para pensar como o outro, e sentir da mesma maneira, será uma missão fadada ao fracasso. Os pensamentos e sentimentos do outro que, por sua vez irão refletir diretamente em suas atitudes, são moldados por uma bagagem ÚNICA, INDIVIDUAL e não podem ser reproduzidos em outro alguém. Brené Brown se refere à empatia em seu livro (A Coragem de ser imperfeito) como a capacidade de se conectar, de se solidarizar com o outro. Gosto bem mais desse conceito, pois se trata do oposto do julgamento ou juízo de valor.
Deixemos, portanto, o julgamento para os cidadãos “investido de autoridade pública com o poder para exercer a atividade jurisdicional” - definição da wikipedia para juiz. Fiquemos nós com a missão de conhecer, amar, se surpreender com o ser humano...
“O juízo moral, da mesma forma que o religioso, corresponde a um grau de ignorância ao qual ainda falta o conceito do real, a distinção entre o real e o imaginário Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos"
“Quem julga as pessoas não tem tempo para amá-las” Madre Teresa de Calcutá.

 

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A Menina (que já foi a) mais feia do mundo

Escrevi este post para um blog que gosto muito: o Não sou exposição, um blog que questiona os valores e "verdades" da sociedade atual. Acho que é um bom jeito de começar por aqui, me apresentando! Espero que gostem!

Vou começar este texto revelando um segredo: essa menina do título fui eu. Fui quem eu pensei ser por muitos anos. Tinha uns sete anos quando um menino me disse: você e a fulana são as meninas mais feias da sala. Logo a fulana? Aquela que sofria tanto bullying? Realmente eu era horrível.

E foi assim que vivi até os 19 anos, sendo a menina mais feia do mundo. Não tinha namorados, afinal quem iria se interessar pela menina mais feia do mundo? E aqueles que se interessavam com certeza tinham algum problema, deviam estar “sobrando” como aquela menina...

Apesar de ser algo escancarado, eu vivi anos tentando esconder que eu era esse monstro. Escondia dos outros e escondia de mim mesma. Na adolescência o principal sintoma da feiura escondida foi a relação com o meu corpo. Foram anos de dietas e de um ciclo tortuoso de compulsão alimentar (afinal uma garota tão feia merecia ser punida), ganho de peso, culpa... Fiz todos os tipos de dieta: dieta dos pontos, dietas com nutricionistas e endocrinologistas, dieta do carboidrato, dieta da sopa, dietas de revista e todas as quais tive acesso durante esse tempo.

Algumas vezes emagrecia muito, algumas vezes emagrecia pouco, algumas vezes engordava, mas o sentimento continuava o mesmo. Os quilos a mais ou a menos não sumiam com o sentimento forte de rejeição e feiura que estavam escondidos e enterrados lá no fundo. Nunca conseguia me manter por muito tempo magra, pois além de estar acima do peso eu ainda não tinha FORÇA DE VONTADE, acreditam? Ou pelo menos era isso que eu ouvia de nutricionistas (hoje sei como essa fala é uma atitude irresponsável desses profissionais, apesar de muito comum) e de pessoas leigas (quero dizer, atualmente todo mundo é especialista, né?).

Na minha casa sempre fui muito amada e muito cuidada. Entretanto, infelizmente, minha mãe, que ficava arrasada por me ver sofrendo quando eu ganhava uns quilinhos, também não sabia exatamente como me ajudar. Ela tentou que eu fizesse terapia algumas vezes, porque ela enxergava meu sofrimento. Entretanto, assim como eu, acho que ela também acreditava que se eu emagrecesse um pouquinho (nunca fui obesa – então parecia ser fácil) eu seria mais feliz. Era um sofrimento enorme que ninguém percebia, pois era silencioso. Eu não era obesa, tinha vários amigos, era excelente aluna e tinha a famosa “força de vontade” para tudo, menos para perder peso.

Essa história começou a mudar quando eu estava na faculdade. Era uma segunda-feira e, como em quase todas as segundas-feiras, eu estava determinada a começar uma nova dieta. Comentei com uma amiga o fato e ela disse: “vou te dar um contato ótimo!”. Eu me animei prontamente com a indicação, mesmo sem saber qual era a linha desse profissional. Eu adorava novos métodos, novos contatos, novas esperanças.

O que eu não ainda sabia naquela segunda-feira era que pela primeira vez eu tinha em mãos um contato que me transformaria por completo. O nome dela é Dra Márcia Parizzi. Uma médica pediatra e nutróloga. Um ser humano sensível, que luta diariamente contra os conceitos equivocados que são ampla e massivamente espalhados por aí quando o assunto é emagrecimento.

Essa médica nunca me passou dieta. Foi um processo longo e árduo, afinal era preciso desconstruir conceitos que estavam há anos enraizados e que infelizmente são senso comum no mundo em que vivemos.  Entretanto, posso garantir, foi um processo LIBERTADOR.

Comecei a tratar o problema como SINTOMA e não como CAUSA. Fui aos poucos entendendo o que estava por trás daquela vontade enorme de ser magra. E foi só quando parei de fazer dieta que emagreci – mesmo “sem força de vontade”, pasmem! Emagreci de verdade, emagreci com o coração e não somente com a mente que controla como uma policia as nossas vontades e nossa necessidade tão instintiva que é a fome.

O que eu deveria comer, o tamanho das porções, os intervalos entre refeições, enfim, as MINHAS necessidades, não estavam em um livro, uma revista ou nas orientações de alguém. Estavam dentro de mim. O eu precisava era resgatar, com muita paciência, essas noções que estavam adormecidas dentro de mim, asfixiadas por tantos equívocos.

Tive recaídas? Claro, algumas vezes quase caí na tentação de fazer dieta J. Mas uma vez liberta, sempre enxerguei que esse não era o caminho.

Um fato curioso é que antes de todo esse processo eu acreditava que para ser feliz era necessário emagrecer, ter um namorado, dentre outras coisas... O que aconteceu foi: quando eu fui feliz eu emagreci e comecei a namorar (agora tenho um marido maravilhoso que ama cada pedacinho de mim J). A ordem era inversa e ninguém nunca tinha me contado. Eu precisava primeiro me acolher, me amar, e ser feliz como eu era, era preciso tratar as causas para erradicar os sintomas.

Para finalizar deixo alguns ensinamentos da Dra-anjo que me marcaram e me ajudaram na transformação:

  • Ninguém emagrece por ter conhecimento de como se emagrece, emagrecemos com nossos sentimentos

  • Dieta é uma das melhores práticas para quem quer se punir. Quem consegue seguir uma dieta sem falhas?

  • A obesidade/sobrepeso e anorexia não são as causas e sim sintomas de problemas. É preciso tratar as causas. Infelizmente, os profissionais gostam de colocar as pessoas em caixinhas (é mais fácil), mas nesse caso as pessoas não cabem nessas caixinhas e é bem aí que está o perigo

  • Para tratar tais problemas as pessoas precisam se sentir acolhidas e confiar no profissional. Amedrontá-las e dizer que elas não possuem força de vontade só irá agravar o quadro a longo prazo